Scarlet, a menina do cabelo amarelo
O nome dela era Scarlet, a menina do cabelo amarelo e dos olhos brilhantes, curiosos e de uma luz sem igual. Tinha oito anos e desde os dois anos tratava de uma Leucemia que a consumia em idas e vindas ao hospital. Filha única, adorada, desejada e muito amada por pais carinhosos dos quais pouco me recordo. Mas, Scarlet jamais esqueci. Principalmente por suas lições de coragem e animação.
Não consigo lembrar-me em que ano a conheci, como foi o nosso primeiro contato, mas como se fosse hoje, lembro da alegria, da voz doce e brincalhona, das correrias pela unidade e do quanto vaidosa não queria ficar careca. Moveu mundos e fundos com as voluntárias do hospital para que conseguissem uma peruca loira. Afinal, os cabelos antes de caírem, eram da mesma cor.
Scarlet sempre bem humorada, só se entristecia quando a iam medicar com algum medicamento que precisava de agulha. Aí o seu olhar se aquietava e mesmo sem uma palavra, percebia-se o quanto isso a incomodava e o quanto domava a dor que fervilhava dentro de si. Enfim, pude presenciar poucos destes momentos. Naquela época eu não ia com tanta frequência no setor onde ela estava. Mas as suas aventuras de menina travessa e carinhosa ultrapassavam o setor onde estava internada.
Então, em alguns plantões de fim de semana ou fim de tarde eu ia vê-la. E ela fazia do lugar árido e pouco atrativo da unidade de internação, um mundo colorido por onde gravitavam personagens multicoloridos e aventureiros. Scarlet era como uma doce melodia em dias de primavera. Ela, por ser a mais velha em vários dos períodos em que esteve conosco, movimentava-se e cuidava dos menores, mas sempre queria uma atenção especial. Gostava de dramatizar personagens e parecia querer ser uma artista de tanto que se emperiquitava vez ou outra. Lembro do seu sorriso menina, do olhar brilhante com qual nos recebia.
Hoje, quando retorno ao local onde conheci Scarlet fico pensando que ela, com certeza, aprovaria as mudanças, as cores e a vivacidade que o lugar adquiriu ao longo dos anos. Contudo, não sei ao certo se a monotonia nas cores de antes chegou a afetá-la profundamente. Tenho cá minhas razões para imaginar que o mundo que ela projetava além de si, tinha mais cores do que as que fisicamente temos hoje. Confesso, que não lembro das dores, não lembro da tristeza, não lembro do sofrimento que todo o adoecimento deve ter lhe causado. Só lembro da alegria, da menina, da criança com a qual interagi...e que profundamente me marcou.
Na seleção da memória devo ter ficado com a parte boa de tudo que ela viveu enquanto esteve conosco. Lembro também de como foi a despedida. Era uma tarde tranquila e ensolarada. Ela havia brincado, sorrido e contava histórias. Estava maquiada, com a peruca e roupas alegres de uma menina. Sorria e antes, ela havia apontado para uma borboleta que flutuava na janela ao lado da cama e dizia que ela, em breve também voaria como a que contemplava pelo vidro. A mãe, segurou nas suas as pequenas mãos da filha...e sorrindo e apontando para a borboleta, Scarlet partiu...Voou nas asas da borboleta. Suspeito que a borboleta tenha sido um anjo e que elas tenham combinado aquele encontro. E assim, Scalert, a menina de cabelos dourados e olhar iluminado seguiu nas asas da borboleta amarela...Tão bela quanto ela na beleza de uma vida rica e plena.
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 11/05/2016
Alterado em 11/05/2016