O que vem e o que vai...
Olá Querido amigo,
Hoje o vento sul chegou remexendo as nuvens, encobrindo o horizonte e nos fazendo procurar aconchego, abrigo. Como você tem passado nos últimos tempos? Já não me recordo quando foi a última vez que nos falamos. Deixei-me absorver pelos compromissos do mundo, dividi a atenção com novos integrantes da minha vida, mas hoje...essencialmente hoje estou aqui.
Cada vez mais me convenço que a vida é uma estrada com muitas estações e em cada uma delas há pessoas entrando, saindo...há despedidas, reencontros, encontros...Este é um movimento constante que me faz pensar sobre quem vai, quem vem, o que traz e o que leva consigo. Todos nós, inevitavelmente, deixamos algo nesta Terra...Ao ler a biografia de pessoas ilustres na história do mundo percebo que poucas são aquelas que deixam marcas que serão lembradas por múltiplas existências. A maioria de nós, pobres mortais, passaremos anônimos sobre o mundo. Percebo que alguns ficaram eternizados na memória dos seres humanos, sem nem mesmo terem a pretensão de o ser...Em especial os grandes pensadores, cientistas e filósofos que a humanidade já teve. Em vários destes não identifico algo que me parece contemporâneo: o prazer pela exposição e a busca desenfreada pela fama que o mundo globalizado e a mídia estimulam dia a dia. Em tempos outros, não havia meios de massificar e divulgar uma imagem, uma ideia de uma maneira tão intensa como as que existem na atualidade.
Então, alguns dos ilustres que nos antecederam tiveram a sua marca inscrita por uma habilidade, por uma capacidade diferente que foi historiada e inventariada por pessoas que os seguiam, admiravam ou criticavam e muitos morreram supostamente anônimos e hoje abrilhantam livrarias, galerias como expoentes de um tempo...Daí me pego a pensar nas celebridades instantâneas que diariamente a mídia fabrica e na ânsia de algumas pessoas em tornarem-se ícones de uma geração.
E aí nessa sequência olho para o lado e fico pensando nas celebridades anônimas que fazem parte da nossa vida. Que caminham conosco lado a lado no ônibus, nas ruas movimentadas das cidades, nos corredores do trabalho, nos elevadores da vida. E outro dia me coloquei a pensar sobre isso.
Repentinamente me peguei a pensar o que eu deixaria como legado para o meu filho. O que ele absorveria dos princípios que me regem, do que gosto e do que deixo de gostar? Como ele se lembraria da mãe que o embalou no colo, que ficou noites insones cuidando dos intermináveis resfriados da infância, que o acompanhou no primeiro dia de aula, que lhe contou histórias que o faziam sonhar? E da perspectiva individual das lembranças que deixaria para meu filho, fiquei a pensar sobre as outras pessoas que me cercavam enquanto eu caminhava em direção ao supermercado. Vi pessoas estacionando seus carros, saindo apressadas, outras comprando alimentos e objetos, seguindo uma vida, um destino. E me perguntei: o que deixarão para seus filhos, para a humanidade? E ao falar em humanidade, um peso muito grande abateu-se sobre mim.. De que humanidade falamos? Das pessoas conectadas no mundo em que vivemos ou do reduto onde estamos? Dos relacionamentos que temos? Com certeza, daquilo que nos é mais próximo: a família, os amigos...quem nos ama, quem amamos...E conclui que o legado que daremos a estas pessoas se resume a um só e se refere aos sentimentos que despertamos e deixamos na memória daqueles com os quais convivemos. Nem fortuna, nem glória, nem feitos grandiosos, nem invenções mirabolantes...O maior legado será o que imprimimos na memória emocional das pessoas com as quais nos relacionamos...e não falo apenas de afetos positivos, porque até os negativos imprimem com ferro e fogo seus descaminhos em nosso coração...
Seremos lembrados pelos sorriso, pela cara feia, pelas risadas, pelos contra feitos, pelos atrapalhos, pelas frases e expressões que nos caracterizaram o viver...Alguns serão lembrados pela inteligência e sagacidade, outros pela doçura e uns tantos pelo amargor. Vários deixaram saudades pela paciência, pela vivacidade com a qual resolviam os conflitos trazidos pela vida...Acreditem, cada um de nós deixa a sua marca indelével em tudo e em todos que nos cercam...Várias vezes já lhe disse que sempre levamos e deixamos algo em quem nos cruza o caminho e disso faço minha bandeira... E constato, o quanto os anônimos heróis que nos cercam tem tanto ou mais a nos ensinar do que muitos famosos que ilustram as capas de jornais e revistas...O quanto, pessoas anônimas para o mundo e para a mídia nos emprestam sua sabedoria em conversas como as do ponto de ônibus, a fila de espera nos atendimentos de saúde, nas mesas de restaurante e em encontros fortuitos do dia a dia...O quanto a força e a coragem estão presentes nos olhos que brilham ao falar do trabalho, da família, dos filhos...da superação diante das adversidades trazidas pelo destino... A estes rendo a minha singela homenagem, com eles aprendo a ser melhor e mais indulgente comigo mesma diante das exigências do trabalho que ocupo...por eles aprendo um pouco mais...e exercito a habilidade em escutar, em afinar a sensibilidade para registrar na alma a beleza de uma existência que talvez nunca seja vista ou reconhecida...
E aí me pergunto: como você gostaria de ser lembrado pela humanidade que o cerca no dia a dia? Sinceramente, fico imaginando seu pensamento voando longe buscando intelectualizar a resposta...Talvez você queira ser lembrado pelo seu trabalho e seu empenho nas atividades que executa...Talvez você queira que o seu talento seja reconhecido mundialmente...Talvez você queira que as pessoas se lembrem da sua força, da sua coragem em enfrentar o mundo...E com certeza, você me perguntará: "e para você, como serei lembrado?"
Bom, se acaso você fizer esta pergunta terei que lhe contar que comparo as pessoas com as quais convivo e que se tornam meus amigos com forças da natureza ou com as estações do ano...Você soltará uma risada e eu lhe direi assim: eu me lembrarei de você com mais intensidade quando as estrelas abrilhantarem o céu noturno...neles verei o seu sorriso menino, reconhecerei sua curiosidade, sua tenacidade, sua coragem em enfrentar a vida em lugar tão distante...E no nascer do sol relembrarei o carinho do seu abraço e a luminosidade do olhar na docilidade das palavras que um dia me levaram a mudar...Como vê, a qualidade que marca a sua existência em mim é a sinceridade carinhosa com a qual você expõe atos e fatos e com a qual você compartilha os seus sentimentos e o seu saber...E aí lhe direi que conexão como esta transforma uma amizade em um elo que atravessa os anos e nos torna sintonizados dando sentido à frase e a música que amamos: "haja o que eu houver estou aqui..."
Por isso, hoje eu digo...foi muito bom te encontrar... E além do tempo e da eternidade, lhe digo que continuo amando você!
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 18/07/2014