Textos

Sobre a viagem em Belém do Pará
Querido amigo,
Como tem passado o seu coração apaixonado? Como tem sido os dias que ao longo do tempo se fizeram sem a minha presença, sem a palavra que sai da minha boca como uma sentença? Ando quieta? Não...Apenas sem tempo para escrever e reescrever o que me vai na alma...
      Os dias tem passado com uma velocidade feroz e nem ao certo sei onde esta pressa me levará. Novidades? Você poderá perguntar. Lhe direi que sim. A vida em si traz uma eterna novidade a cada instante, embora nem sempre isto seja reconhecido. Estamos acostumados a compreender a palavra "novidade" como algo que difere do usual, que estremece as entranhas pelo inusitado ou pela emoção que causou...Entretanto, a cada novo dia a paisagem muda, as histórias se renovam e mal percebemos...Igualmente em nosso rosto se expressam as diferenças entre o ontem e o hoje...e mais que isso, a nossa leitura sobre o mundo também se transforma...Mas isso só é percebido quando juntamos o quebra cabeça com o qual a vida nos presenteia...E é isso o que justamente tenho pensado: o quanto este quebra cabeça gigante que a vida me apresenta traz cenários, movimentos, imagens que sequer eu imaginava tempos atrás...Daí, com certeza me perguntarás: como assim?
      Não me acuse de ser vaga e pouco precisa naquilo que digo, mas novamente reitero que alguns detalhes são desnecessários. O que vale é a ideia e a mensagem que trazem consigo. Andei viajando muito nos últimos tempos, conheci pessoas, vi lugares diferentes de onde habito e você sabe o quanto gosto disso. Se eu pudesse, viajaria pelo mundo colecionando imagens, registrando as histórias que ouço de um, de outro...mas infelizmente os compromissos pessoais, profissionais restringem este desejo e por isso apenas escapo, uma vez ou outra para usufruir da grande diversidade que este mundo encerra...sempre a trabalho, quase nunca por diversão...Mas enfim, igualmente é bom ter um lugar para retornar...
       O que vi? O que ouvi nestes lugares por onde andei? Muitas coisas belas, outras entristecedoras...Usufrui de climas mais amenos do que lugar onde habito...Nas terras por onde andei parece ser sempre verão...e se a chuva cai é apenas para dessedentar a terra e permitir a explosão das sementes...Em uma das cidades onde estive é assim: o sol aparece já muito cedo no horizonte e descortina a imensidão de um rio que se espraia pelas infinitas margens dos Igarapés...Foi bonito de ver o amanhecer nesse lugar. Então o sol que se expressa e clareia o dia, repentinamente é ofuscado por nuvens de chuva que desabam sobre a terra um caudalau de água de uma maneira inusitada e acompanhada de raios e trovões. É algo fenomenal. Do solo então, exala o cheiro de "terra molhada", o que me retoma momentos da infância após as chuvas de verão...Daí a pouco o sol aparece novamente, o calor se faz, por vezes opressivo, para mais tarde as estrelas abrilhantarem o céu e depois repentinamente ser assaltado por nuvens chorosas. Onde fica este lugar, poderás me perguntar? Este lugar fica no coração do Brasil, próximo à Amazônia, o pulmão verde que ainda resiste nessa parte do mundo. E o lugar? o lugar se chama: Belém do Pará.
      Jamais tinha viajado por essa parte do meu país...Pouco conheci das ruas e ruelas históricas que recontam a nossa colonização. Viajar a trabalho, por vezes é restritivo. Ainda assim fiz um passeio de barco e pude ver a cidade sob os olhos de quem navega nas imediações e constata o quanto a história deste país é rica e mais do que isso, o quanto é diversa a realidade em cada ponto dessa imensidão de terra...Senti que preciso voltar a este lugar e explorar um pouco do que os meus olhos puderam capturar...
      Fiquei pensando, onde você estaria no momento em que eu circulava pelos diversos canais e presenciava o fragmento de vidas que viviam à beira do rio, em casas que desafiam os padrões arquitetônicos e a gravidade...?Ao mesmo tempo em que contemplava as casas de madeira, com pouca mobília, com roupas ao vento, ao lado de uma mata, coladas no rio, com crianças de pés descalços correndo para se aproximar do barco, com redes penduradas nas varandas, com a vida desfraldada ao vento e ao tempo...comecei a perguntar que devemos ser um para o outro motivo de curiosidade...Eles nos contemplavam e nós a eles...O que estariam pensando? Sequer imaginam a dimensão desse país? Eu, por minha vez, tão burguesa, de pés calçados, agasalhados, de uma terra onde o frio consome as entranhas, com estações bem demarcadas não imagino como seja viver em lugares como aqueles à beira do rio...Não sei como é ter a história enraizada nas entranhas e fazer parte de um pedaço de chão que por mais tosco, insalubre, traz as raízes do seu próprio ser...
     Percebi que as pessoas de lá, das poucas com as quais conversei, são assim...enraizadas, amantes da terra,  apaixonadas pelo lugar onde vivem...e são pessoas de uma simplicidade que enternece...
     Sempre que viajo constato: não pertenço a um lugar específico...viajei muito de cidade em cidade quando pequena e isto me tornou cigana, mulher de muitos lugares, mas a nenhum deles apegada...um espírito em trânsito, se é assim que posso definir como me sinto...Com certeza uma cidadã do Universo, como uma vez, inesperadamente me defini...E sendo assim, preciso viajar, sair do lugar onde estou e registrar no papel o que me impressiona os sentidos...e neste lugar foram várias as impressões: o sol forte, a luz coada pelas nuvens negras e bravas que despejam cargas d'água sobre a terra, o nascer do sol esparramando seus raios como se abençoasse a terra, o rio e as pessoas que a habitam...o rio escuro com a correnteza puxando, levando os barcos itinerantes multicoloridos, e todos misturados em um movimento que exemplifica as ondas que nos movem de um canto a outro...Talvez, por eu ter nascido à beira de um rio, eu seja por ele apaixonada...Embora eu reconheça no mar a força, a beleza que se abre para um horizonte infindo, sinto pelos rios uma atração sem igual...São compenetrados, por vezes traiçoeiros na profundidade que abrigam, seguem um curso que só é desviado pelos homens ou pelas cheias sazonais...caso contrário seguem seu rumo em direção a algo: o mar...E nesse caminho fecundam sementes, alimentam comunidades inteiras, transformam a força em energia e seguem, ininterruptamente adiante...não se rendem ao marasmo de uma existência...aparentemente cordatos sabem seguir em frente diante das dificuldades que o homem lhes impõem...E este lugar me trouxe a imensidão de um rio que nutre ricos e pobres, que tem em si histórias para contar...e sinto que preciso ver este rio de novo, para apreender dele as lições que tem a ensinar...
    Então, é isso meu doce amigo...Por mais que as estradas ou a correnteza me levem para longe de ti, saibas que morarás eternamente na minha alma, pois sei que em algum lugar, a minha e a sua foram tecidas no mesmo tear...que jamais separa os que estão próximos do coração...
    Amo você, sempre mais...
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 24/06/2014
Alterado em 24/06/2014
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