Uma noite no hospital...
O turno da noite começaria em instantes e Juliana, a estudante de enfermagem, preocupava-se com os desafios que teria que enfrentar durante o plantão. Perguntava-se a si mesma se conseguiria resolver os problemas que se apresentassem. E o maior fantasma de todos se resumia no fato de presenciar a morte de algum dos pacientes. E mais do que isso, de não ter sido eficiente o suficiente para salvar a vida deles, caso precisasse intervir em uma parada cardio respiratória...Seus temores se exacerbavam a cada minuto que se aproximava a hora de entrar em atividade. Contudo, não podia voltar atrás...Aquela era a profissão que escolhera com o coração e a ela se dedicava com emoção.
Para animar a si mesma, começou a relembrar os desafios que tivera quando aos 16 anos resolveu optar por cursar, no nível médio a própria Enfermagem. Relembrou cada cena, com as cores vívidas dos desafios que tivera que enfrentar, desde as técnicas até as emocionais. Lembrou da resistência de sua mãe em permitir que a única filha mulher e caçula se envolvesse com uma área que trazia consigo dores, dissabores e morte. Mas, tão potente quanto a resistência e as dificuldades, foi também a sua vontade e tenacidade em prosseguir no caminho...Lembrou-se igualmente de uma professora, a que lhe ensinou como destravar a alma e a expressar os seus pensamentos e sentimentos. E, Juliana, deu-se conta de que na vida temos muitos Mestres e que alguns tocam tão fundo a alma que é impossível esquecê-los...E foi pensando no que já havia vencido, que respirou fundo, atravessou o saguão do hospital, cumprimentou o porteiro, identificou-se na recepção e a passos compassados subiu as escadas. Ela odiava elevadores, em especial os daquela instituição que muitas vezes apresentava problemas. Pensava:
- É melhor não arriscar, posso me atrasar...
Lá chegando, apresentou-se à enfermeira de plantão e a única colega de curso que lhe faria companhia. Com certeza consolou-se ao perceber que a outra estava mais temerosa do que ela. Entretanto, o que as diferenciava é que uma manifestava com intensidade o desconforto por ter que ficar doze horas acordada e os temores de ter que, finalmente, assumir-se como enfermeira. Enquanto ela, guardava para si as inseguranças e tentava manter um olhar de que tudo sairia bem.
E o plantão começou...Acompanhou os funcionários, preparou e administrou medicamentos...E a noite desceu seu manto sobre o hospital, a enfermaria e os pacientes deixando alguns sonolentos e outros inquietos. Parece que a noite traz consigo, desde a infância, fantasias, fantasmas e...temores. E foi naquela noite que Juliana conheceu Bárbara. Uma mulher relativamente jovem, uns quarenta anos que dizia-se bem casada, amante do marido e dos filhos. Bárbara havia sido hospitalizada por um infarto do miocárdio, uma situação aparentemente precoce para sua idade. Ela tinha os cabelos negros, os olhos escuros e brilhantes e do fundo da cama solicitava companhia. Das vezes em que a campainha tocou aquela noite, a maioria vinham do quarto de Bárbara. Alguns plantonistas, sem sequer olhar, só por ouvir o som já diziam:
- Ela de novo...
E foi aí que Juliana resolveu atendê-la em todas as suas chamadas. Pensou:
- deve ser difícil estar sozinha, pensando na vida e com medo...
E cada vez que Bárbara a chamava, Juliana tinha a certeza: "ela está com medo de morrer". Bárbara contou sua vida inteira para Juliana naquela noite. Com conhecera o esposo, como eram felizes e o quanto amava a vida...Pacientemente, entre uma atividade e outra, Juliana a escutou por horas no entremeio de suas chamadas. Afinal, diferente dos funcionários da unidade, ela tinha um outro tempo...Para ela, o tempo de escutar, não apenas com os ouvidos, mas com a alma...E foi aí que ela ouviu de Bárbara um conselho que jamais conseguiu esquecer:
- Viaje. Viaje muito...Trabalhe, ganhe o que puder mas não gaste com coisas estáticas...aproveite para conhecer o mundo...Viajar, passear, conhecer pessoas, lugares diferentes...isso vai te fazer bem...
Juliana começou a pensar que esta empreitada seria difícil de executar, mas em sua alma a semente foi plantada. Talvez Bárbara soubesse que Juliana levava na alma a necessidade de conhecer, de sair de si mesma, de transitar por países, cidades com culturas e hábitos diferentes...Talvez Bárbara advinha-se o quanto a alma contida da estudante precisava ganhar asas e usufruir de novos ares, para nesta caminhada poder ajudar muito mais...
E foi assim, que a noite cedeu espaço para o dia...Bárbara, depois de tantos encontros com Juliana finalmente adormeceu na madrugada. Juliana não dormira um só minuto. Por isso, quando o sol encheu a enfermaria com sua luminosidade, Juliana pegou seus objetos, retirou o uniforme e retornou para casa e, ao procurar aconchego em sua cama ainda ouvia as palavras de Bárbara:
- Viaje...viaje...
Assim adormeceu....
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 23/01/2014
Alterado em 23/01/2014