O sorriso
Os dias de verão nas cidades turísticas deste Brasil trazem consigo o símbolo da prosperidade, mas igualmente revelam as fragilidades dos sistemas de abastecimento, de esgotos e em especial, das condições para a mobilidade de tanta gente. As cidades à beira mar, com suas praias idílicas e paradisíacas atraem, por vezes iludem e com certeza trazem aos habitantes do lugar alguns desconfortos. Aumento de preços abusivos, inflação de todo e qualquer movimento e em especial longas filas de congestionamento....
E foi em um desses congestionamentos, mais lentos que uma Tartaruga que meu olhar se perdeu através da janela do ônibus. A fila não andava...arrastava-se pior que uma cobra. O calor intenso pela ausência de movimento não era compensado pela janelas escancaradas. O sol batia forte e as pessoas em pé, esbarravam umas com as outras a cada novo lento movimento do ônibus. A impaciência já tomava conta dos que pretendiam chegar no horário no trabalho. Embora os que estivessem sentados, gozassem de um mínimo conforto, o cansaço e a letargia dos dias de verão em plena manhã se faziam sentir.
E assim, pude contemplar na calçada um homem, que embaixo da cobertura de uma padaria vendia CDs e Dvds. Ele suava muito e quem quiser podia constatar o suor escorrendo sobre o queixo do rosto moreno. De camiseta e shorts cumprimentava com um sorriso e um aceno a cada transeunte que lhe atravessava a frente, inclusive alguns prováveis conhecidos que estavam no ônibus. E as conjecturas sobre a identidade daquele homem prenderam a minha atenção, na longa e paralisada jornada que o ônibus seguia.
Observei-o. Sorria para todos com uma simplicidade e um brilho no olhar de inexplicável boa vontade diante daquele sol, daquele calor. Parecia disposto, interessado e engajado em vender. Conversava com um e com outro e realmente parecia ser muito conhecido dos transeuntes. Seria tão banal a cena de ver um homem vendendo CDs e Dvds para sobreviver se não fosse a sua condição, que parecia lhe emprestar um vigor e uma força de vontade acima da média. O homem estava preso a uma cadeira de rodas. Fiquei pensando o quanto de esforço dele e de outras pessoas para que ele ali estivesse, firme no posto e disposto a cavar a própria sobrevivência diante da necessidade... Mais do que isso, parecia fazer com tamanho bom humor que me deixava com certo sentimento de culpa por irritar-me diante dos movimentos lentos que o ônibus fazia...
E, a partir deste homem, retomei na lembrança outros cadeirantes que vagavam pelas ruas da cidade onde vivo vendendo seus produtos. Um, extremamente simpático, arrastou-se por anos pelas ruas pouco cuidadas da cidade, sempre mantendo um sorriso simpático, acolhedor, que eu, mesmo sem necessidade comprava dele bilhetes de loteria, amendoim, alho...fosse o que fosse, eu comprava só para ouvir "muito obrigado" com um sorriso que fazia inveja pela beleza que traduzia. Tempos depois, alguém com maior poder aquisitivo compadeceu-se do homem e lhe deu uma cadeira de rodas. Outros ainda transitam pelas ruas vendendo seus produtos, informando aos transeuntes que a limitação não é uma imposição que restrinja as possibilidades do viver...
Com certeza essas pessoas nos ensinam a importância de transpor obstáculos, superar dificuldades e reorganizar a vida com os dados que a realidade nos dá, mas sem perder a capacidade de sorrir, de sonhar e de seguir. E foi assim, que o ônibus seguiu seu caminho e a lembrança do sorriso daquele homem disposto, sorridente e cativante perseguiu-me o dia inteiro, fazendo com que eu rememorasse outros tantos que com esforço e perseverança procuravam vencer a si mesmos e fazer uma nova história.
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 08/01/2014