O Semeador
Um semeador saiu a semear os campos, certo como Jesus de que tais sementes cairiam em lugares tanto férteis e promissores quanto inóspitos ou pedregosos. Ainda assim propôs-se a ser o Semeador e por isso viajou por terras cuja beleza extasiava o olhar. Visitou lugares ermos, solitários e desabitados onde apenas o vento sussurrava os mistérios do universo. Esparramou as sementes por lugares pedregosos e, outras vezes, largou-as diante de mananciais de água, cuja terra embebera-se na fertilidade da umidade. Atravessou estradas de difícil acesso, varou rincões e pradarias cantando com o vento a doce cantiga da Vida. Em suas mãos residiam as promessas de fecunda magia. Certo dia, abeirou-se de um lago, cujas águas cristalinas permitiam ver os frágeis seres que ali viviam. Embebido pela beleza do cenário, olhou sua própria imagem no reflexo das águas. Observou seu rosto sulcado de rugas, seus cabelos já encanecidos e seu olhar que ainda denotava o brilho das estrelas. Naquela tarde, o cansaço parecia tê-lo agarrado com forte enleio. Olhou-se e parou para refletir.
- Oh Senhor! bem sei do compromisso de minha missão e do quanto é necessário que estas sementes sejam dispersadas pela terra...Contudo, senhor, hoje sinto-me estranhamente fatigado por tanto caminhar e algo, neste momento me angustia em particular...O que é feito das tantas sementes que joguei? Terão se erguido para o céu e visto a majestade do sol ou sentido as carícias do vento? Terão auxiliado o homem a compreender a beleza da vida? Terão alcançado o solo fértil que sustenta e alimenta? Por que eu, Senhor, ainda continuo a caminhar embora encanecido e cansado?
Deixando-se evadir em pensamentos, adormeceu ao lado de frondosa árvore que abrigava em sua copa pássaros e mais pássaros no emaranhado de folhas e flores que compunham sua majestade. O homem, então sonhou e viu-se diante de um jardim magistral, onde a brisa compunha uma doce cantiga com as plantas e árvores que por ali florescia. Ouviu uma voz que dizia:
- Bem vindo ao jardim produzido pelas tantas sementes que semeaste. Observas como cada planta e cada árvore, independente do terreno em que a lançaste encontrou solo fértil e condições que as fizeram erguerem-se para o céu... Interrompendo a voz amiga o Semeador ponderou:
- Mas como pode? Muitas destas sementes foram despejadas em espaços desertos onde o sol castigava as criaturas, outras caíram sobre pedras de impossível penetração. Como podem aparecer aqui tão distintas e belas?
- Querido amigo, não te angusties com a parte que lhe cabe nesta missão. É certo que as espalhaste como bem sabes fazer teu coração dadivoso. Sementes que caíram em terras inóspitas conseguiram adormecer no solo onde as deixaste e a mãe natureza propiciou-lhe o aconchego e a bem-aventurança das gotas de orvalho, pois se assim não fosse, acaso existiriam oásis nos desertos? Acaso haveria o cactos, que dentro de si abriga umidade suficiente para dessedentar os viajantes? Nobre amigo, não temas pelo destino das sementes. Saibas que além de ti, há outros tantos amigos que colaboram na fertilidade da terra... E a semente, em si encontra forças e energia para reproduzir-se e fenecer como toda criatura vivente.
- Mas, voz amiga...Aquieto-me diante de tuas colocações tão amenas, mas...ainda assim me pergunto...de que vale tanto esforço se nosso destino é um só...ganhar a exuberância ao nascermos e crescermos e depois, de tanta luta, fenecermos? A morte ronda nossos passos com insistência.
- Esqueces o que representa a morte na transmutação da vida? Partimos, caro amigo, em cada desenlace terreno para um novo existir. As células do corpo que abrigamos sustentam outras tantas formas de vida e nosso espírito, desencapando-se da matéria, vivencia outros ares de uma nova vida. Enquanto o coração na Terra palpita e o olhar expressa os sentimentos de nossa alma, amparemos, amemos, busquemos prazer no auxílio à perpetuação desse existir, mesmo que a morte ronde nossos passos como fiel servidora da vida. Importa auxiliar agora para que estas criaturas tenham no amanhã um coração fecundado de esperanças e tão dadivoso quanto o seu em promessas de sentimento e alegria.
O olhar do semeador esparramou-se sobre o jardim e pode perceber entre as tantas belezas que o circundavam, plantas que adoentadas pelo descaso dos homens, deixavam-se cuidar por jardineiros zelosos. Observou que junto a si existiam outros tantos companheiros interessados em auxiliar na obra imensa da semeadura. Assustado, sentiu-se desfalecer e tão logo acordou, olhou para a árvore que lhe servia de abrigo e compreendeu a lição da vida. Continuou a sua missão de semeador e agora, cada semente que saia de suas mãos, trazia consigo o afeto carinhoso permeado de esperança. Agora ele tinha certeza de que não estava só na caminhada, pois a própria semente, junto coma natureza, eram suas aliadas e companheiras. Aprendeu que a colheita pertencia apenas ao senhor do tempo...
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 20/12/2013
Alterado em 21/05/2017