Um breve encontro....
Olhar simples, quase espantado diante dos ônibus e carros que passavam a sua frente. Pés calejados e um pouco sujos emoldurados pela sandália simples, a calça com a barra por fazer, a blusa e o casaco meio em desalinho. No olhar uma expectativa febril diante do ônibus que havia de pegar. Em uma das mãos, calejadas e fortes segurava uma sacola na qual se podia identificar um tênis usado e algumas roupas embrulhadas. Ao lado, uma senhora, aparentemente familiar e bem composta, o norteava diante de uma cidade em movimento. Com a aproximação de cada ônibus que chegava ao ponto, o homem erguia-se, perfilava-se, arrumava a sacola e esperava o comando da senhora ao lado.
- não, não é esse.
- passa muito ônibus aqui, não?
Na voz um sotaque interiorano, nos “erres” dobrados, no tom grave com o qual proferia as palavras. Os cabelos penteados, quase engomados, e nos olhos cor de mel o homem descobria a cidade e parecia vir de muito longe. Por fim o ônibus chegou. Esperou que as senhoras subissem primeiro e depois ele, com sua sacola verde deixando entrever parte de sua história. Subiu no degrau, olhou o motorista e cumprimentou:
- Tarde.
O motorista, com olhar de quem nada entendera, perguntou:
- O que?
Ele repetiu:
-Tarde. O ônibus quase em movimento.
O motorista fez novamente a pergunta, reafirmando:
- não entendi.
Então eu expliquei. Ele está cumprimentando o senhor, desejando-lhe “boa tarde”. O motorista um tanto lacônico, quase desgostoso, falou:
- Ah!!!! Boa tarde!
O homem passou na catraca. Sentou-se ao lado da mulher que tentava lhe explicar que aqui na cidade as pessoas pouco se cumprimentavam. Afinal, dizia ela: a cidade é muito grande e já pensou cumprimentar tanta gente. Então é por isso que as pessoas não se falam.
Ele ouvia quieto a explicação, depois falou:
-é! Aqui é diferente. Lá a gente fala com todo mundo.
A mulher emendou:
- É, lá na roça vocês estão acostumados a cumprimentar todo mundo mesmo, né. Por isso que vocês estranham quando vem para a cidade. Mas sabia que o governo está fazendo alguma coisa para evitar que o pessoal saia da roça. Eles descobriram que se todos saírem da roça não vai ter mais ninguém para alimentar o pessoal da cidade. Hoje em dia os colonos estão querendo vir para a cidade estudar e não voltam mais.
Ele ouvia em silêncio. Não sei em que fixava seu olhar, por quais caminhos pervagava sua alma. Seguiu quieto e saltou alguns pontos depois, em companhia da senhora tão zelosa em explicar a falta de educação dos citadinos. Sentiria saudade do acolhimento daqueles com os quais convivia? Estaria em tratamento no hospital próximo de onde os encontrei? Não sei. Contudo a passagem de sua presença trouxe-me de volta a constatação da impessoalidade com a qual transitamos no mundo acelerado das grandes cidades, e do quanto incógnitos e invisíveis gravitamos na perplexidade de nós mesmos. Independente do que ou quem quer que seja o homem e sua sacola retirou-me do cotidiano de meus pensamentos e devolveu-me a possibilidade de sentir, de perceber e de ser. Mais do que tudo, inspirou-me a escrever com o movimento da alma que aproxima, que conhece e se reaquece diante da existência....
(Outono de 2010)
Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 18/12/2013