Textos

O Semeador e o Viajante
     Há muito tempo um jovem semeador, cansado e atribulado diante da estafante tarefa da semeadura empurrou para longe de si as sementes e os apetrechos que o acompanhavam em sua tarefa. Acabrunhado diante do sol que o iluminava, caminhava pela extensa campina que lhe circundava a fazenda exclamando:
- Chega! Cansei-me de tão desgastante lida. Dia a dia, sol a sol, protegendo da chuva os rebentos recém libertos da terra, afundando-me na lama para resgatar seres incipientes, queimando-me ao sol, arando, adubando...tremendo de frio sob os ventos impetuosos do sul, desmantelando-me diante dos ventos do leste e do oeste. Chega! Sem dia de descanso, sem hora que não seja apenas para largar meu corpo cansado... Mil vezes, chega, chega!
     Tanto resmungava e andava que um transeunte que por ali passava, estacou para observá-lo. Embaixo de uma frondosa árvore de cuja copa caiam robustos ramalhetes de flores, o viajante observava cena tão insólita. O semeador, num átimo de consciência percebeu-se observado e vociferou:
- O que olhas? Do que achas tanta graça? Por que zombas de mim?
     O viajante ergueu-se e ainda saboreando a maçã que tinha nas mãos parou em frente ao semeador e disse:
- Quem sou eu para zombar de qualquer criatura que seja?
     O semeador emburrado resmungou:
- Então, por que estás sorrindo?
- Eu, meu senhor? Perguntou-lhe o viajante. - Não sorrio de nada que não me pareça engraçado, mas isso não se aplica ao senhor.
- Então o que fazias? Perguntou o semeador irritado.
- Apenas observava o conjunto de lamúrias com a qual o senhor menosprezava a brilhante tarefa que tens nas mãos...
- Grande? Ah! Lá isso é! Você diz isso porque está de fora. Interrompeu o semeador.
- Com certeza isso lhe proporciona inenarrável cansaço. Com certeza há noites em que, esgotado, pelo esforço não consegues nem sonhar. Eu não acharia graça de tão grande esforço. Na verdade, caro amigo, permita-me chamá-lo assim. Eu sorria por rever na vossa pessoa uma cena muito antiga que aconteceu comigo há anos atrás.
- Não me aprece que tenhas sido semeador algum dia...Falou o semeador olhando o viajante de alto a baixo. O ar despreocupado com que o viajante o observava deixou o semeador em desassossego.
- Pois continue homem...Disse o semeador.
- Uma das lições de minha vida foi a de jamais fiar-me nas aparências. Os ditados antigos me pediam prudência para julgar as criaturas. Contudo, impensadamente julguei de maneira inadequada até que, com o trabalho da semeadura aprendi a distinguir, através das sementes o melhor que há em cada um. Não é assim com a natureza? Quantas vezes uma mirrada e minúscula semente não encerra em si uma frondosa árvore? Pois bem, caro amigo, assim com tu revoltei-me, blasfemei e releguei para longe de mim objetos e afazeres. Tornei-me mendigo, glutão, sem perceber o bem imenso que consiste em ser semeador.
     O semeador o ouvia com curiosidade. E ele continuou.
- Já percebeste a quantos seres ajudaste a fazer brotar através do carinhoso trato da terra e do laborioso plantio? Pensas na tarefa mas ainda não contemplas o resultado. Olhe ao redor do seu lar...Lembras como esse terreno era árido e inóspito?
     O semeador recordou-se do desânimo que o abateu quando iniciou o empreendimento de semear. No início esperançoso, bem intencionado, esforçava-se por tudo. Depois, a solidão na qual se encontrava e a rotina do dia a dia o tornaram apático e desinteressado. Fazia duas atividades sem ânimo como uma máquina pré-programada. Por tudo se irritava, desperdiçando tempo em gritarias. Um suspiro lamentoso saiu-lhe da alma, tão profundo quanto seus próprios pensamentos.
- O que queres dizer, viajante? Falou em tom pausado, quase um lamento.
- O que queres que eu diga,se ao teu redor estão todas as respostas? Nada meu amigo, traz resultados em um só dia. O mundo é feito palmo a palmo com coragem e determinação. Muitos desistem antes mesmo que a tarefa se inicie, outros se cansam pelo esforço precoce em empreender, vários desistem ao longo da jornada, desencantam-se com o milagre da vida e nem percebem o aprendizado que reside em cada semente. Não te peço que te desfaças do teu intento, mas observa as campinas verdejantes que te circunda, sinta o aroma das flores que plantastes, a beleza das frutas que em teu pomar existe e pensa que, por mais pródiga que seja,a natureza jamais faria tudo isso sozinha.
     O semeador pensava consigo mesmo. Olhou para a enxada caída e as sementes espalhadas ao léu. Recolheu-as com carinho, mas algo o incomodava. Voltou-se para o viajante e perguntou:
- Com voltaste para os afazeres da semeadura se disseste tê-la abandonado?
     O viajante por um instante contemplou o céu azul que emoldurava a campina. Olhou o semeador e falou:
- Descobri, caro amigo, que a semeadura da terra é apenas uma etapa do árido terreno da vida...
     O semeador interrogou-o com o olhar e disse:
- O que queres dizer?
     O viajante com carinho enterrou no solo adubado pelo semeador as pequeninas sementes da maçã que comera e respondeu-lhe:
- Quero dizer-lhe que no futuro, quando tiveres aprendido a semear a terra, aprenderá a espalhar sementes no coração daqueles que, duvidosos e desesperançados tencionam fugir da nobre missão para a qual foram preparados. Semear corações humanos através dos terrenos da indiferença, do ódio, da desavença, do desafeto, da descrença e do desamor, eis o próximo passo para aqueles que vencem a primeira etapa da semeadura.
      O semeador olhou-o espantado. Uma brisa suave circundava o ambiente. Adiante, um bem-te-vi cantava chamando a companheira. O semeador voltou-se para observar o pássaro e ao retornar o olhar para o viajante nada encontrou... Apenas a brisa mansa lhe fazia companhia. Tão logo recobrou-se da surpresa, continuou a trabalhar na terra com mais carinho e amor...

Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 17/12/2013
Alterado em 21/05/2017
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários


Imagem de cabeçalho: inoc/flickr